O mais novo capítulo da série de história da tecnologia traz a origem e a trajetória de uma empresa que revolucionou a criação de conteúdo, a expressão da criatividade e até leitura e visualização de documentos no meio digital. É a Adobe, dona de um monte de serviços que você usa ou vê por aí.
Como tudo começou
A Adobe foi fundada em dezembro de 1982 por Charles Geschke e John Warnock. Tudo começou na garagem do Warnock e a esposa dele foi a designer responsável pelo “A” estilizado da logo que é usado até hoje. A primeira versão era em azul com o nome completo, só depois que o A sozinho em vermelho foi adotado.
A palavra “adobe” existe inclusive em português, e é um material de construção feito de terra e componentes orgânicos. Mas nesse caso, o nome da empresa veio de um córrego chamado Adobe que passa pelo condado de Santa Clara, na Califórnia.
O Warnock era engenheiro na Xerox com um currículo de respeito. Ele foi presidente da Adobe por dois anos, CEO por 16 e se aposentou em 2000. O Geschke era membro do lendário Xerox Palo Alto Research Center, o PARC, um dos laboratórios mais importantes da história da tecnologia. Ele chefiou as operações da Adobe por oito anos, foi presidente por 11 anos e se aposentou quase junto com o colega. Os dois ainda hoje são da mesa de diretores.
Antes de começar, a dupla pensou em abrir um serviço de fotocópias e outro de impressão para escritórios, mas uma companhia de softwares foi a escolha final.
Começando com revolução
O primeiro produto saiu no ano da fundação e você pode não conhecer de nome, mas sem ele você não imprimiria nada tão facilmente. A PostScript é uma linguagem de programação que ajuda um aparelho a disponibilizar informações de forma visual. Ou seja, ela descreve o posicionamento de letras, símbolos e figuras numa folha digital. A PostScript foi baseada na Interpress, uma linguagem de descrição da Xerox que a companhia não quis popularizar.
Antes do PostScript, as impressoras matriciais que desenhavam com pontos as figuras na página eram as mais usadas. E as plotters, que eram mais especiais e caras, tinham alta resolução e eram pra resultados mais gráficos. Foi com essa criação que as impressoras interpretavam e processavam todos os comandos no editor de texto e padronizavam a impressão em papel. Esse padrão foi o primeiro internacionalmente usado.
Deu muito certo. A PostScript era domínio publico, mas o software interpretador era vendido pela Adobe. Em dois anos, a receita já era de mais de 2 milhões de dólares. A Apple foi uma das primeiras parceiras e lançou em 85 a LaserWriter, primeira impressora da marca com PostScript.
Steve Jobs fez uma oferta pra comprar a Adobe, mas ela foi recusada. Além disso, a Adobe lançou as fontes digitais Type 1 e a Apple depois apresentou uma rival, a TrueType, que foi licenciada pra Microsoft. Jobs virou um crítico pesado da Adobe mais pra frente.
Em 86, a Adobe faz a oferta pública de ações em Wall Street e decola. No ano seguinte, mais de 400 softwares já suportavam o PostScript.
Uma família da pesada
É aí que vem o primeiro programa queridinho da marca pra consumidores. É nada menos que o Illustrator, um editor gráfico vetorizado lançado primeiro pro Macintosh. Como o próprio nome sugere, ele é voltado pra ilustração, ícones e logos, mas pode servir pra muito mais coisas. A imagem que virou símbolo do software é um pedaço da pintura o Nascimento de Venus, de Boticelli.
Já em 87, os irmãos Thomas e John Knoll criaram um programa de edição de imagens diferenciado. Ele se chamou Display e depois ImagePro, até ser renomeado em definitivo pra Photoshop. Após dois anos demonstrando a criação pelo Vale do Silício, eles conseguem o licenciamento da Adobe, que incorpora o produto e lança em 1990 a versão 1.0, de novo exclusiva pro Macintosh.
O Photoshop merece uma história própria, mas vale contar que a primeira versão já tinha como grandes destaques a correção e retoque de cores, o conta-gotas, o pincel e a borracha. Ele só começou a sair pro Windows 3.1, já na versão 2.5.
Hoje, o software está tão fixado na cultura que virou um verbo ou adjetivo. A gente diz que vai “fotoshopar” alguma coisa ou que a imagem tá “photoshopada”, e edições exageradas são os desastres de Photoshop, mesmo sem a gente saber se o designer usou o programa.
Em 1991, a Adobe apresenta outro sucesso. É o Premiere, pra edição de vídeo, que seria um dos principais em indústrias como música e cinema. Ele virou o Premiere Pro a partir de 2003.
Um formato para unir todas as tribos
Nesse mesmo ano de 91, John Warnock lança um artigo descrevendo um tal projeto Camelot. Ele seria uma forma universal de comunicação e visualização de páginas que já estariam em um formato pronto pra impressão, porque antes cada formato tinha um estilo e não era compatível com todos os sistemas. Reconheceu? Ele ficou em desenvolvimento por dois anos e em 93 foi lançado sob o nome de Portable Document Format, o PDF.
Ele não era nada popular no começo, tinha vários concorrentes, gerava documentos pesados pra época e só parecia fazer sucesso no ambiente corporativo, mas tinha potencial. O PDF foi controlado e só suportado por softwares da Adobe até 2008, quando vira padrão público. Hoje, ele é mundial: fotocópias, ebooks, manuais e documentos se beneficiam demais desse formato.
O software capaz de ler e criar esses novos documentos foi lançado também em 93 e se chamou Adobe Acrobat e Acrobat Reader. Hoje ele é uma família de produtos e é uma confusão por causa das trocas de nome. Tem um que só lê PDFs, um que convertia documentos de PostScript chamado Distiller e por aí vai. Ele saiu primeiro no DOS e custava 50 dólares, mas um tempo depois ganhou uma versão gratuita.
Pedras no caminho
E, olha, ela não acertou em tudo. A Adobe demorou pra investir em softwares pra editoração eletrônica, ou DTP. Ela também demorou pra voltar os olhos pro Windows, que viraria o sistema operacional mais usado no mundo, e as primeiras versões pra ele eram super bugadas.
Ela também fez uma versão completa do Illustrator pro Next Computer, da empresa aberta por Steve Jobs depois da demissão da Apple. Nem precisa dizer que deu bem errado.
E em 92 tem um fato bem maluco. O cofundador Charles Geschke foi sequestrado no estacionamento da Adobe e ficou quatro dias em cativeiro. A família chegou a pagar o resgate, mas os sequestradores foram presos e pegaram pena perpétua.
Entrando de cabeça
Em 94, a Adobe faz outra jogada empresarial certeira e compra a Aldus. Essa desenvolvedora foi uma das primeiras a se destacar no mercado da computação e era dona de nada menos que o PageMaker, de publicação e diagramação, e do AfterEffects, de efeitos de pós produção de vídeo, além do formato TIFF de imagens.
Ele foi o primeiro programa terceirizado aceito no Windows, numa história que a gente já contou por aqui, e abriu as portas pra um mercado gigantesco pra Adobe. Outra aquisição importante é a do OCR Systems, um software que reconhece caracteres impressos e transforma textos escaneados em documentos editáveis.
Em 95, o PDF começa a ganhar o mundo lentamente com um plugin pro Netscape Navigator, líder absoluto naquela época. O formato começa também a aparecer no novíssimo Internet Explorer. Nesse mesmo ano, surge o FrameMaker, pra editar documentos mais complexos e estruturados. Ele veio da Frame Technology Corporation, adquirida pela Adobe.
Aí chega o fim da década e a empresa percebe que tá ficando pra trás com uma concorrência bem acirrada. A HP ainda terminou a parceira pra usar o PostScript e adotou um clone próprio, e isso balançou as contas da Adobe. Ela ainda demorou pra investir no online, e fez um redesign completo nos principais serviços pra ganhar suporte web e novas ferramentas. O PageMill, que facilitava a criação de sites, também foi lançado.
E é em 98 que surge um clássico de jornalistas, diretores de arte, publicitários e produtores de conteúdo em geral. Trata-se do InDesign. Se deu certo? A Adobe investiu pesado em marketing, manteve clientes fiéis e ganhou novos. A receita ultrapassou pela primeira vez um bilhão de dólares em 99.
Os anos 2000 são de mais mudanças pra marca, e elas começam o lançamento do Photoshop Elements, uma versão mais simplificada pra edições e montagens mais simples. Tem ainda o Lightroom, que teve o desenvolvimento iniciado lá em 99, e que faz edições em massa. Ela ainda compra o software Cool Edit Pro e transforma ele no Audition, um editor de áudio.
A era dos pacotes
Em 2003, uma bomba. A Adobe anuncia o lançamento de um pacotão de programas de edição e criação de conteúdo, o Creative Suite, ou CS. Várias versões do PhotoShop, Illustrator, Acrobat, Premiere e Soundbooth vieram com a terminação CS depois disso.
Ao todo, foram seis Creative Suites nos anos seguintes, e com o tempo a empresa foi bastante criticada pelo alto preço de alguns dos pacotes, especialmente fora dos Estados Unidos.
Em 2013, a Adobe descontinua o Creative Suite e apresenta o seu sucessor, o Creative Cloud, de sigla CC. Ele não é só um pacote novo, mas também uma mudança no modelo de comercialização. Em vez de venda física, tudo agora é enviado pela nuvem. E a compra é feita em um modelo de assinatura dos programas que você deseja usar.
Todos os serviços estão integrados, trazem ferramentas como biblioteca online de fontes e são colaborativos, inclusive com versões mobile. Ela tem dado certo, mas de novo recebeu críticas fora dos Estados Unidos pelo preço e pelo aumento recorrente nas renovações das assinaturas.
O amado e odiado Flash
O ano de 2005 é o da aquisição mais marcante da Adobe. Por 3,4 bilhões de dólares, ela adquire a rival Macromedia e leva todo o catálogo da companhia, incluindo o Dreamweaver e ele, o polêmico Flash, que com certeza terá um capítulo aqui. O Flash é uma plataforma de animação de navegação a jogos criado por uma empresa chamada FutureWave, comprada pela Macromedia em 1996 e só aí ganhando o mundo.
Ao longo dos anos, ele só melhorou, possibilitando interfaces mais complexas com o uso da ActionScript. Todo mundo usava Flash nos sites e abria aqueles clássicos joguinhos ou animações de navegador. Aí ele foi adquirido pela Adobe, que adicionou plug-ins de vídeo e espalhou ainda mais o produto. A Adobe ainda incorporou os programas do pacote Macromedia Studio, na própria Creative Suive.
O problema começou com a popularização dos smartphones e a escolha das fabricantes em adotar um formato próprio e chutar o Flash pra escanteio. Em 2010, Steve Jobs entra em uma guerra contra a Adobe por causa disso.
Segundo o CEO da Apple, a tecnologia era a principal causa de travamentos no Mac, e ele removeu o suporte ao Flash pra iPhone e iPad depois de várias declarações furiosas.
Em 2011, a Adobe corta o desenvolvimento do Flash no mobile pra fazer softwares mais amigáveis pro rival, o HTML5. Os últimos anos foram melancólicos, com Chrome, Firefox, Facebook e outros encerrando o suporte e a execução automática.
Ele era criticado por tudo: ser lento e pesado, ser proprietário e principalmente pela falta de segurança, já que ele foi um dos alvos favoritos de invasores por anos.
O fato é que o Flash foi essencial pro desenvolvimento web, mas hoje é cada vez menos representativo. O Adobe AIR é uma espécie de substituto, mas sem a mesma força. E a fase não foi boa nem pro Acrobat Reader, também criticado pelos mesmos motivos: ser proprietário, lento e um convite a criminosos virtuais.
Enchendo o carrinho
Tá vendo como a gente quase só fala que a Adobe compra e compra? Pois é, e não acabou. Em 2009, a aquisição da vez é da empresa de marketing e análise para web Omniture. Nos anos seguintes ela enche o carrinho com mais duas marcas, a Iridas em 2011 e a Behance em 2012. A primeira tem vários softwares de vídeo e uso de cores, enquanto a segunda é uma rede de serviços que reúne portfólios de profissionais de criação de conteúdo. Tem ainda a Fotolia, um banco e imagens adquirido em 2014 que passou a alimentar o Adobe Stock.
E atualmente?
Hoje, a Adobe faz várias experiências de edição de foto com Inteligência artificial, e muita coisa interessante pode aparecer num futuro próximo. Atualmente, ela trabalha no tripé Document Cloud, Creative Cloud e Experience Cloud, cada um com uma tonelada de programas e serviços.
Fonte: https://www.tecmundo.com.br/